quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

Fernando António Nogueira Pessoa (Lisboa, 13 de Junho de 1888 — Lisboa, 30 de Novembro de 1935), mais conhecido como Fernando Pessoa, foi um poeta e escritor português.É considerado um dos maiores poetas de língua portuguesa, e o seu valor é comparado ao de Camões, e sendo este blog, destinado a assuntos de cultura geral, deixo registrado alguns trechos de obras desse excepcional escritor.


Autopsicografia

O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas da roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama o coração

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Eu poderia suportar, embora não sem dor, que tivessem morrido todos os meus amores, mas enlouqueceria se morressem todos os meus amigos!

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Não sei quantas almas tenho

Não sei quantas almas tenho. Cada momento mudei. Continuamente me estranho. Nunca me vi nem acabei. De tanto ser, só tenho alma. Quem tem alma não tem calma. Quem vê é só o que vê. Quem sente não é quem é. Atento ao que sou e vejo. Torno-me eles e não eu.Cada meu sonho ou desejo. É do que nasce e não meu. Sou minha própria paisagem; Assisto à minha passagem. Diverso, móbil e só. Não sei sentir-me onde estou. Por isso, alheio, vou lendo como páginas, meu ser. O que segue não prevendo, O que passou a esquecer. Noto à margem do que li, o que julguei que senti. Releio e digo : "Fui eu ?" Deus sabe, porque o escreveu!

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Travessia

Creio no mundo como num malmequer, Porque o vejo. Mas não penso nele. Porque pensar é não compreender...O Mundo não se fez para pensarmos nele (Pensar é estar doente dos olhos) Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo... Eu não tenho filosofia; tenho sentidos...Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é. Mas porque a amo, e amo-a por isso.Porque quem ama nunca sabe o que ama.Nem sabe por que ama, nem o que é amar...
Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos.

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