domingo, 3 de fevereiro de 2008

As Máscaras - The End

... A multiplicidade de suas formas, que muitas vezes funde numa mesma figura traços humanos e animais, bem expressa a infinidade de forças circulantes no universo que, captadas pela máscara, aglutinam-se de modo a permitir ao ser humano confrontar-se com potências que jazem
dormentes no mundo interior, desconhecido e sombrio.
A máscara dramática introduzida pela primeira vez
por Téspis fazia figurar o prósopon, isto é, a pessoa ou o personagem que,
em latim, se diz persona, sinônimo de máscara, também de caráter ou papel representado pelo ator.
Dar-se conta das diferentes personas que vestimos, isto é, estar
consciente das máscaras que servem ao ego em seu exercício de
(re)velar-se aos outros, é fase preliminar e imprescindível de todo
e qualquer processo de auto-conhecimento, a que o psiquiatra suíço
Carl G. Jung (1875-1961) chama de individuação. Isto porque,
forçosamente, para que estabeleçamos contato com o mundo exterior,
assumimos aparências que nem sempre correspondem àquilo que somos essencialmente. Sob o prisma da psicologia junguiana, a persona
encarna a metáfora da fixidez da máscara do ator que, no transcorrer
de sua recitação, desenvolve o papel que lhe cabe procurando fazer
coincidir as qualidades de seu personagem com a mobilidade plástica de seu rosto. Desse modo, tornar-se consciente da própria persona ou de seus aspectos mais relevantes, é perceber aquilo que "já somos" no mundo, posto que a persona traz elementos fortes de caráter que nos são dados desde as primeiras experiências de vida e que se cristalizam sobre o ego ao longo de todo um complexo processo de desenvolvimento da personalidade.
A persona "per si", é claro, não pode ser entendida como traço psíquico
patológico; nem a constatação óbvia de que nos valemos de certas máscaras que intermediam as relações humanas pode ser chamado simplesmente de hipocrisia. As personas são mesmo necessárias e representam até certo ponto um sistema útil de defesa. Tornam-se patológicas quando o ego as valoriza em absoluto e deixa-se enganar por sua mera aparência, a propósito, aquela mesma com ele quer se mostrar aos outros. Em tais circunstâncias neuróticas, comuns por sinal, o ego converge a energia psíquica quase que exclusivamente para os papéis sociais assumidos e guarda uma consciência cada vez mais virtual dos verdadeiros valores perdidos em seu mundo interior, esquecendo-se de si próprio e preterindo o revitalizador caminho da individuação. Nestes casos, restamos presos em nossas próprias armadilhas tal qual o ator que se deixa dominar por seu papel a ponto de perder a noção de sua genuína identidade, negligenciando o verdadeiro sentido de sua existência.

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